O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma, nesta quarta-feira (30), o julgamento sobre o marco temporal na demarcação de terras indígenas. A análise sobre o recurso foi suspensa em junho, após pedido de vista, que concede mais tempo de avaliação — realizado pelo ministro André Mendonça, que deve apresentar o voto nesta ocasião.
A Corte aprecia a tese, aprovada na Câmara dos Deputados, que estabelece a regularização somente dos territórios originários já ocupados até 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da atual Constituição Federal. Caso seja aprovada, os povos originários ficam limitados a reivindicar apenas a posse de áreas ocupadas na data.
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Atualmente, o placar de votação é de 2 a 1 pela rejeição do marco, conforme votos do relator Luiz Edson Fachin (contra) e dos ministros Nunes Marques (a favor) e Alexandre de Moraes (contra). Ainda faltam se manifestar Mendonça, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, o decano Gilmar Mendes e a presidente Rosa Weber — esta declarou que apresentará voto antes de se aposentar, o que acontece em setembro deste ano.
Representantes de povos indígenas são contrários à aprovação da tese. Nesta quarta-feira, o Tribunal reservou 60 lugares no plenário para povos originários acompanharem o julgamento ao vivo.
A decisão do STF deve nortear o parecer de 226 processos suspensos nas instâncias inferiores do Judiciário sobre o tema, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O resultado também pode contribuir para o Senado Federal deliberar ou não sobre o projeto aprovado pela Câmara.
O que é o marco temporal?
A tese jurídica defende que povos originários podem reivindicar somente a demarcação de terras já ocupadas ou disputadas por indígenas em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição, conforme informações da Agência Câmara de Notícias. Ou seja, o marco temporal prega que as populações devem exigir somente a posse de áreas que já eram ocupadas por eles há 34 anos.
Caso seja aprovada pelo STF, a medida pode provocar, na prática, a revogação do reconhecimento de terras indígenas já demarcadas. Somente no Ceará, todos os 15 povos originários do Estado podem ser afetados, já que nenhuma dessas terras cearenses tinha processo demarcatório concluído antes de 1988.
A origem do marco temporal remonta a 2009, em um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre a demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima, quando o critério foi usado.
Quatro anos depois, a tese embasou o Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4) a conceder a posse de parte da Terra Indígena Ibirama-Laklanõ ao Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA).
O território, que se sobrepõe à Reserva Biológica do Sassafrás, no Estado, é disputado por indígenas Xokleng e agricultores. Na ocasião, o argumento usado foi que a área, de cerca de 80 mil m², não estava ocupada em 5 de outubro de 1988. No entanto, o povo Xokleng afirma que não estava na área no período porque havia sido expulso.
Em reação à decisão do TRF-4, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) enviou ao STF um recurso questionando o critério da Corte regional. Esta ação é a que está sendo analisada atualmente pelos ministros do Supremo.
A Terra Indígena Ibirama-Laklanõ foi demarcada em 2003, conforme a Agência Câmara de Notícias.
Defesas e críticas
O ministro do STF Nunes Marques, que votou a favor da aprovação da tese, defende que, no caso de Santa Catarina, sem o prazo haveria uma “expansão ilimitada” para áreas “já incorporadas ao mercado imobiliário” no País.
“Uma teoria que defenda os limites das terras a um processo permanente de recuperação de posse em razão de um esbulho [perda de uma terra invadida] ancestral naturalmente abre espaço para conflitos de toda a ordem, sem que haja horizonte de pacificação”, disse o ministro.
Ele ainda argumentou que, no caso analisado, a demarcação se sobrepõe a uma área de proteção ambiental.
Já o relator do recurso na Corte, ministro Luiz Edson Fachin, que votou contra o marco, defendeu que a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que os indígenas tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal e da configuração de renitente esbulho.
Ele também afirmou que a Constituição reconhece que o direito dos povos indígenas sobre suas terras de ocupação tradicional é originário, ou seja, anterior à própria formação do Estado brasileiro, conforme a Agência Câmara de Notícias.
Os representantes dos povos indígenas afirmam que a tese ameaça a sobrevivência de muitas comunidades originárias e de florestas.
Link original da notícia: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/pontopoder/julgamento-do-marco-temporal-das-terras-indigenas-e-retomado-pelo-stf-entenda-o-que-e-1.3411100