“Estamos aqui para levar aquilo que é nosso por direito. Chega de morte dentro do nosso território. Chega de matança com nossos povos tradicionais. Não queremos mais viver na tristeza. Queremos nosso território para sermos felizes na nossa terra vivendo nossos costumes e nossas tradições”, diz Isabela.
A fala da anciã de 74 anos precisou se traduzida para o português por quem a acompanhava. Tanto no discurso quanto no idioma, Isabela carrega a tradição dos povos originários.
O placar na Corte está em 4 a 2 contra a tese de que os povos originários só poderiam reivindicar a posse de áreas que ocupavam no dia da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988 (veja detalhes mais abaixo). Os indígenas são contrários à tese do marco temporal.
Isabela conhece a dor da luta por seu território há muitos anos. “O território Xokleng era de 37 mil hectares. Na ditadura militar, foram vendidos territórios e hoje só tem 14 mil”, conta a anciã.
Não foram só terras que se perderam. O povo Xokleng é constituído por 5 mil pessoas. “Em um dos massacres na ditadura, sobrou cerca 120 pessoas e depois começamos a crescer [de novo]”, afirma Isabela.
Votação
O Supremo começou a julgar a tese em agosto de 2021. Somente o relator, ministro Luiz Edson Fachin, e o ministro Nunes Marques votaram à época, e o placar ficou 1 a 1. O relator foi contrário a tese.
O julgamento voltou a ser analisado somente neste ano. Para protestar contra o marco temporal e acompanhar os votos dos ministros, povos indígenas de várias partes do Brasil passaram a vir a Brasília para acampar e fazer mobilizações.
Em junho, o ministro André Mendonça pediu mais tempo para analisar a tese. Indígenas queimaram um caixão em protesto contra o novo adiamento (veja vídeo acima).
No dia 30 de agosto, indígenas fizeram uma marcha em Brasília contra o marco temporal. No dia 31 de agosto, quando a votação foi retomada, um telão foi instalado em frente ao prédio do STF para que os povos originários pudessem acompanhar.
Votaram contra o marco temporal:
O que é o marco temporal
Na prática, a tese do marco temporal permite que indígenas sejam expulsos de terras que ocupam, caso não se comprove que estavam lá antes de 1988, e não autoriza que os povos que já foram expulsos ou forçados a saírem de seus locais de origem voltem para as terras.
Processos de demarcação de terras indígenas históricos, que se arrastam por anos, poderão ser suspensos. No STF, os ministros analisam o tema a partir de uma ação envolvendo uma terra indígena em Santa Catarina.
Em 2013, a Justiça Federal no estado aplicou a tese do marco temporal ao conceder ao Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina a reintegração de posse de uma área que é parte da Reserva Biológica do Sassafrás, onde fica a Terra Indígena Ibirama LaKlãnõ. Na região, vivem os povos xokleng, guarani e kaingang.
A decisão mantinha entendimento de 2009, de outra decisão da Justiça Federal em Santa Catarina. A Fundação Nacional do Índio (Funai) apresentou um recurso ao STF, questionando a determinação. E é esse o pedido analisado pela Corte.
A Funai afirma que a aplicação do marco temporal fere a Constituição, especificamente o artigo 231, que trata da proteção aos povos indígenas. Para a fundação, o direito de posse daquele que consta como proprietário no registro de imóveis não pode prevalecer em detrimento do direito originário dos índios.
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Link original da notícia: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2023/09/20/marco-temporal-chega-de-morte-dentro-do-nosso-territorio-diz-ancia-de-povo-indigena-que-acompanha-retomada-de-julgamento-no-stf.ghtml