Hutukara, Ya temi xoa, Omama: o que significa os termos usados pela Salgueiro em homenagem ao povo Yanomami no carnaval 2024

Hutukara, Ya temi xoa, Omama: o que significa os termos usados pela Salgueiro em homenagem ao povo Yanomami no carnaval 2024

Na letra do samba-enredo, a Salgueiro usou várias palavras da língua Yanomami. Para os foliões que vão acompanhar o desfile e querem cantar junto, o g1 preparou uma lista com o significado dos termos que compõem a canção.

A escola de samba entra na avenida a partir das 0h da madrugada deste domingo (11) para segunda-feira (12). Os termos e expressões foram tiradas do livro A Queda do Céu, escrito pelo líder Yanomami e xamã, Davi Kopenawa em parceria com o antropólogo francês Bruce Albert. O livro foi o principal material utilizado na construção do espetáculo apresentado neste fim de semana.

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Veja os significados

Intitulado “Hutukara”, do carnavalesco Edson Pereira, o nome faz menção ao “céu que desabou nos primeiros tempos, constituindo o plano em que nos encontramos hoje”, conforme o conceito do povo Yanomami.

Veja abaixo o significado das palavras do povo indígena usadas pela Salgueiro, com base em consulta ao Instituto Socioambiental (ISA), organização que também atua na defesa ao povo Yanomami:

Meu Salgueiro é a flecha pelo povo da floresta

Pois a chance que nos resta é um Brasil cocar”

No refrão, repetida duas vezes, uma expressão Yanomae representa a mensagem principal do espetáculo preparado pela Salgueiro: “Ya temi xoa”, que traduzida para o português significa “Ainda estou vivo!”.

A mensagem é um grito de resistência na voz dos Yanomami, que enfrentam uma grave crise de sanitária e humanitária no maior território indígena do Brasil, vítima da exploração do garimpo ilegal há anos. O trecho também simboliza a união de forças junto aos salgueirenses.

Davi Kopenawa, xamã Yanomami, em visita ao galpão da Acadêmicos do Salgueiro, no Rio de Janeiro — Foto: Lucas Landau/ISA

“É Hutukara, o chão de Omama

O breu e a chama, deus da criação

Xamã no transe de yãkoana

Hutukara ê, sonho e insônia

Grita a Amazônia antes que desabe

Caço de tacape, danço o ritual

Tenho o sangue que semeia a nação original”

Hutukara, expressão que dá nome à canção, significa a terra-floresta, o mundo como conhecemos hoje, que na mitologia Yanomami surgiu após a queda do primeiro céu nos tempos ancestrais. A terra-floresta foi criada por Omama, o demiurgo (que possui poderes divinos), que é o Deus da criação para o povo Yanomami.

Xamãs são guerreiros do mundo espiritual. Para os Yanomami, esses guardiões, além de realizarem a conexão entre o mundo visível e o invisível, também protegem a população dos males frutos das ações de humanos e não humanos.

Yãkoana é uma substância extraída da parte interna da casca da árvore yakoana hi, que possui efeito alucinógeno e é utilizada nos rituais xamânicos para permitir que os guardiões adentrem o mundo invisível.

Quando os xamãs visitam o plano invisível, eles conversam com o Xapiris, que são espíritos de luz, defensores da terra-floresta. Estas entidades só podem ser contatadas pelos xamãs, após o uso da Yãkoana.

Davi Kopenawa (camisa azul), xamã Yanomami, com dançarinas de jongo, que participam de um projeto social no morro do Salgueiro, de resgate da dança tradicional que deu origem ao samba; e lideranças do projeto Erveiras e Erveiros do Salgueiro, que fazem o resgate do conhecimento tradicional sobre ervas para usos medicinais e religiosos na comunidade — Foto: Lucas Landau/ISA

“Tirania na bateia, militando por quinhão

E teu povo na plateia vendo a própria extinção

Yoasi que se julga família de bem

Ouça agora a verdade que não lhe convém

Yoasi que se julga família de bem

Ouça agora a verdade que não lhe convém”

Yoasi é irmão de Omama, o deus da criação. Na mitologia yanomami, Yoasi é responsável pela criação da morte e da escuridão.

“Você diz lembrar do povo Yanomami

Mas nem sabe o meu nome e sorriu da minha fome

Você quer me ouvir cantar em yanomami

Entre aspas e negrito, o meu choro, o meu grito

No dia 19 de abril é celebrado o Dia dos Povos Indígenas. Na estrofe, Hutukara lamenta que essas populações, a exemplo dos Yanomami, só é celebrada durante esta data.

“Antes da sua bandeira, meu vermelho deu o tom

Somos parte de quem parte, feito Bruno e Dom

Kopenawas pela terra, nessa guerra sem um cesso

Não queremos sua ordem, nem o seu progresso

Napê, nossa luta é sobreviver

Napê, não vamos nos render”

Kopenawa é o sobrenome de Davi, considerado a principal liderança na luta do povo Yanomami. Traduzido para o português, o nome significa “marimbondo”. Os salgueirenses deixaram um aviso: “É melhor não mexer com marimbondo!”.

Os Napê são os forasteiros, neste caso, os que invadem e representam a principal ameaça à população yanomami. O termo é usado para designar os não-indígenas e os garimpeiros.

No trecho, há também uma menção ao legado do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, assassinados enquanto produziam material em defesa da floresta Amazônica na região do Vale do Javari, em 2022.

A Salgueiro conta que ambos ganharam citação na canção, por “terem sido “brancos” que entenderam verdadeiramente os povos indígenas”.

A letra do samba-enredo foi escrita por Pedrinho da Flor, Marcelo Motta, Arlindinho Cruz, Renato Galante, Dudu Nobre, Leonardo Gallo, Ramon Via 13 e Ralfe Ribeiro. O material surgiu a partir de uma sinopse escrita pelo enredista e jornalista Igor Ricardo. A festa e as alegorias ficaram sob a responsabilidade do carnavalesco Edson Pereira.

A letra do samba-enredo na íntegra

Ya temi xoa, aê-êa
Ya temi xoa, aê-êa
Meu Salgueiro é a flecha pelo povo da floresta
Pois a chance que nos resta é um Brasil cocar

É Hutukara, o chão de Omama
O breu e a chama, deus da criação
Xamã no transe de yãkoana
Evoca xapiri, a missão
Hutukara ê, sonho e insônia
Grita a Amazônia antes que desabe
Caço de tacape, danço o ritual
Tenho o sangue que semeia a nação original

Eu aprendi o português, a língua do opressor
Pra te provar que meu penar também é sua dor
Falar de amor enquanto a mata chora
É luta sem flecha, da boca pra fora
Falar de amor enquanto a mata chora
É luta sem flecha, da boca pra fora

Tirania na bateia, militando por quinhão
E teu povo na plateia vendo a própria extinção
Yoasi que se julga família de bem
Ouça agora a verdade que não lhe convém
Yoasi que se julga família de bem
Ouça agora a verdade que não lhe convém

Você diz lembrar do povo Yanomami
Em 19 de abril
Mas nem sabe o meu nome e sorriu da minha fome
Quando o medo me partiu
Você quer me ouvir cantar em yanomami
Pra postar no seu perfil
Entre aspas e negrito, o meu choro, o meu grito
Nem a pau, Brasil

Antes da sua bandeira, meu vermelho deu o tom
Somos parte de quem parte, feito Bruno e Dom
Kopenawas pela terra, nessa guerra sem um cesso
Não queremos sua ordem, nem o seu progresso
Napê, nossa luta é sobreviver
Napê, não vamos nos render

Ya temi xoa, aê-êa
Ya temi xoa, aê-êa
Meu Salgueiro é a flecha pelo povo da floresta
Pois a chance que nos resta é um Brasil cocar

Link original da notícia: https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2024/02/11/hutukara-ya-temi-xoa-omama-o-que-significa-os-termos-usados-pela-salgueiro-em-homenagem-ao-povo-yanomami-no-carnaval-2024.ghtml

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